Sunday, October 01, 2006

Lula lá

Hoje realizam-se diferentes géneros de plebiscitos um pouco por todo o mundo. Brasil, Hungria, Áustria e Bósnia-Herzegovina vão às urnas, entre eleições presidenciais, municipais e legislativas…
De entre estas, importa reflectir sobre duas, pela diferença de reacções que se espera, por porte do eleitorado, ante situações relativamente semelhantes.
Na Hungria, o primeiro-ministro Férenc Gyurcsany arrisca ver a sua força politica sofrer uma autêntica “moção de censura” nas eleições autárquicas, após ter sido divulgada uma escandalosa gravação em que o primeiro-ministro admite ter mentido para ganhar as últimas legislativas. Os partidos da oposição (de direita) exigem mesmo que Gyurcsany se demita, caso a sua força partidária (de centro-esquerda) sofra uma derrota estrondosa nestes escrutínios locais. As nuvens negras continuam a pairar sobre Budapeste.
Ao mesmo tempo, essas mesmas nuvens negras parecem não saber o caminho para o Palácio do Planalto, em Brasília. Nas presidenciais de hoje, Luiz Inácio Lula da Silva é claramente favorito à reeleição (e pode mesmo vencer à primeira volta), apesar de ter visto o seu Partido dos Trabalhadores (PT) envolvido em diversos escândalos e manobras corruptivas (desde o “mensalão” ao recente “dossiêgate”).
Ante isto, a questão que se coloca é: porque é que, na Hungria, o eleitorado se prepara para punir Gyurcsany, enquanto, no Brasil, o “povão” está prestes a reeleger Lula?
Para lá do motivo óbvio (Gyurcsany assumiu a sua mentira, enquanto Lula ainda não viu provado o seu envolvimento directo nos escândalos do PT), a principal razão está na total identificação que o povo brasileiro tem com o seu actual presidente.
Lula tem a escolaridade mínima, foi operário metalúrgico, até perdeu um dedo num acidente de trabalho, e tudo o que conseguiu na vida foi conquistado a pulso. Apesar dos escândalos com que foi relacionado e da desilusão que pode ter provocado nalguns votantes, Lula foi o primeiro presidente brasileiro a preocupar-se realmente com os interesses dos mais desfavorecidos (e eles são grande parte das população do país da “Ordem e Progresso”). Lula até pode ter sido corrupto (no Brasil a característica parece intrínseca a qualquer politico), mas foi ele que implantou o programa Fome Zero, e foi no seu mandato que os rendimentos dos mais pobres cresceram 14,1 por cento (enquanto os dos mais ricos subiram 3,56).
Portanto, Lula é mais que favorito à reeleição porque, apesar de todas as imperfeições, o povo brasileiro se identifica com ele – tal como ele se identifica com o povo brasileiro.
Já na Hungria, Férenc Gyurcsány, multimilionário recém-interessado pela política (apesar de já estar a cumprir o segundo mandato), tentou forjar a perfeição e identificação popular. Esse é o seu maior pecado, e pode pagá-lo caro.
Enquanto isso, Lula não é perfeito, nem sequer tenta parecê-lo. E esse é o seu maior trunfo para permanecer mais quatro anos no Palácio do Planalto.

PS: Apesar das vitórias do primeiro mandato de Lula, o estreitar das diferenças abissais entre ricos e pobres foi conseguido, fundamentalmente graças a ajudas sociais. Importa pois que no segundo mandato se consiga fomentar o emprego e crescimento económico. Caso contrário, apesar dos remédios, não se conseguirá curar o mal de que sofre o maior país de língua oficial portuguesa.

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